quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

[Sobre] Sturm und Drang em ANAMNESINE (2021)

Os Primeiros Acordes da Canção Fatal (2020), de autoria de A.R.R. de Sousa e G.C. Rodriguez

Resenha de Alfredo RR de Sousa e Gabriel C. Rodriguez para ANAMNESINE (2021), livro de estreia do mestre em filosofia Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e tradutor Álvaro Körbes Hauschild.

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Sturm und Drang em ANAMNESINE

Alfredo RR de Sousa & Gabriel C. Rodriguez

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Foi com imensa satisfação e grata surpresa que empreendemos a leitura de ANAMNESINE (2021), de lavra do mestre em filosofia (UFRGS) e tradutor Álvaro Körbes Hauschild. Obra de difícil de caracterização em termos de gênero, há que observar já à partida, muito embora se calhar a definição que melhor se lhe ajuste seja a novela alegórica à moda de Novalis, formato que permite ao autor, inclusive em consonância com essa hipotética matriz, lançar mão de seu vasto conhecimento de causa no âmbito da filosofia e literatura helênicas.

 Mas que o leitor não pense que o universo conceitual de Hauschild se restringe à excelsa Hélade: com efeito, ANAMNESINE se desdobra sob a égide de caleidoscópica e multifária progênie: da ominosa geometria espacial dos “Carceri d’invenzione” de Piranesi às abstrações paradoxais da geometria textual de J.L.Borges, passando por William Blake, Franz Kafka e Hugo von Hofmannsthal, são muitas as paragens na jornada iniciática que o autor nos propõe.

Jornada essa que se traduz, quer nos parecer, como um progressivo ‘perder-se de si mesmo’, à moda do itinerário espiritual dos peregrinos aéreos no “Colóquio dos Pássaros” do místico persa Farid ud-Din Attar, um ‘perder-se de si mesmo’ que não obstante emblematicamente se traduz como extática conquista extática da lucidez transfigurada; ou então como o processo triádico de iluminação na tradição ortodoxa cristã: catharsis (purificação) / theoria (esclarecimento) / theosis (união com Deus). Tal é a matéria da prosa poética de Hauschild, sob os auspícios d’uma paternidade outrossim tríplice: a tradição hermética, o idealismo alemão e a sabedoria hiperbórea.  A crítica literária norte-americana Helen Gardner afirma que a poesia de T.S. Eliot caminha do ‘niilismo’ (em “Prufrock and other Observations”, primeiro volume de versos do autor, publicado em 1917) à ‘glória’ (em “Ash-Wednesday”, de 1930 e, sobretudo, nos “Four Quartets”, de 1943), passando pelo ‘medo’ (“The Waste Land” - 1922) e pelo ‘horror’ ("The Hollow Men" - 1925). Algo análogo poderia ser dito a propósito de ANAMNESINE.

O estilo do autor, solene, evocativo e densamente poético, faz jus às suas pretensões, e emoldura admiravelmente a construção da narrativa: o protagonista, um homem sem nome, subitamente desperta num cárcere abandonado e então dá início a seu périplo, através d’uma miríade de experiências sensoriais, devaneios (talvez metade da obra se passe no reino dos sonhos, e nisso temos um vislumbre de quão fundamental é a dimensão onírica nesse texto) E quem é ANAMNESINE? O leitor terá que descobrir por si só, uma vez que entre nessa mandala de páramos e conhecimentos ignotos.

Há alguns elementos que nos pareceram particularmente refinados e fascinantes nessa obra de sabor tão peculiar; citamos aqui dois, porventura ao sabor do acaso: no capítulo VI, uma sutilíssima crítica, em compasso de alegoria poética ‘novaliana’, a certos aspectos de dogmatismo racionalista presentes na filosofia kantiana; e no capítulo V, um conto de antecipação apocalíptica digna do horror cósmico d’um Clark Ashton Smith ou das fantasmagorias expressionistas d’um Alfred Kubin.

De resto, gostaríamos de reiterar o facto de que estamos sobremaneira honrados com a oportunidade de resenhar essa obra de um confrade de muitos anos e que agora faz parte da mesma casa editorial que nos lançou. Aproveitamos o ensejo para felicitar a Kotter pela disposição e coragem em lançar uma obra tão arrojada, demonstrando uma vez mais que seu time editorial tem  “olhos para ver” coisas que amiúde ficam ocultas, e que por isso mesmo devem vir à luz...  A luz  que ilumina o Leste, destino final do périplo de ANAMNESINE e Álvaro Hauschild, que a essa altura, já se amalgamam numa única entidade não sendo mais possível para nós discernir criador e criação.

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Alfredo Rubinato Rodrigues de Sousa nasceu em Recife no dia 20 de novembro de 1971. Mudou-se para o Rio de Janeiro antes de completar seu primeiro aniversário, cidade em que reside desde então. É neto do célebre compositor popular paulista Adoniran Barbosa. Graduado em Comunicação Social e Filosofia, pós-graduado em Relações Internacionais, dedica-se atualmente à tradução. Mantém um blog desde 2001, espaço onde divulga sua produção ensaística (filosofia; estudos literários; análise política; crítica musical e cinematográfica, etc.) bem como alguns textos de prosa poética e um epistolário fictício. Em matéria de literatura, tem como referências basilares figuras como Paul Valéry, S.T. Coleridge, J.L. Borges, W.B. Yeats, Edmund Spenser, Novalis, entre outros. Sua primeira experiência no gênero ‘Romance’ é o livro Os Primeiros Acordes da Canção Fatal, escrito em coautoria com Gabriel Rodriguez.


Gabriel Rodriguez nasceu em Limeira, município situado na região leste do estado de São Paulo, no dia 22 de junho de 1991. Concluiu em 2019 um MBA em gestão de pessoas, mas suas grandes paixões são a literatura e a História, tendo já escrito alguns contos e, agora, em coautoria com Alfredo RR de Sousa, o romance Os Primeiros Acordes da Canção Fatal (com quem também coescreveu um relato de horror – O Monstro, entre outras obras ainda inéditas). Suas preferências literárias recaem, sobretudo, no campo da ficção fantástica, com destaque para autores como E.A. Poe, H.P. Lovecraft, Milorad Pavic, Dino Buzzati, etc. É também grande entusiasta da poesia de Baudelaire e T.S Eliot; do cinema expressionista alemão (bem como de outros filmes clássicos do cinema de horror); e de música de vanguarda em geral (popular e erudita). Recentemente criou um blog, onde pretende escrever sobre diversos temas.

O livro dos autores pode ser acessado aqui: (https://kotter.com.br/loja/o-primeiros-acordes-da-cancao-fatal-alfredo-rubinato-rodrigues-de-sousa-gabriel-rodriguez/)

Minha resenha sobre o livro deles: (https://alvarohauschild.blogspot.com/2019/10/breve-comentario-os-primeiros-acordes.html)

Um comentário:

  1. Renovo cá meus parabéns, meu caro Álvaro, pela brilhante estreia.

    Cordialmente,
    Alfredo RR de Sousa

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