Caspar David Friedrich |
sábado, 19 de fevereiro de 2022
(VARIA) Sublime e Romantismo
domingo, 14 de novembro de 2021
(VARIA) Vikings and Death, Lectures by Neil Price (2012)
Baldur, por Elmer Boyd Smith |
Abaixo, uma das mais belas palestras disponíveis sobre os povos germânicos da época das grandes invasões, com o professor Neil Price, um dos mais importantes arqueólogos sobre a "era Viking", feitas em 25 de setembro de 2012 em Cornell University, NY. Ao longo de três apresentações, o pesquisador discute mais especificamente sobre a relação (cultural, espiritual, religiosa) que os Vikings tinham com a morte entre os séculos 8 e 11 d.C.
The Children of Ash: Cosmology and the Viking Universe
domingo, 31 de outubro de 2021
(VARIA) Dead Sea Scroll/ Satan/ Gnosticism
John Martin |
sábado, 4 de setembro de 2021
As Duas Loucuras na Arte
John Bauer, um exemplo de arte curativa |
A loucura é um assunto clássico do pensamento ocidental. Platão, no Fedro, distingue dois tipos de loucura (mania): uma má, contrária à razão, que levaria aos excessos dos prazeres, por exemplo na atração homossexual (a atração erótica pelo mesmo sexo é contrária à sua função natural, que é procriar); e outra boa, “divina”, que se divide em quatro subtipos: a profética (apolínea), a iniciática (dionisíaca), a poética (inspirada pelas musas) e a erótica (inspirada por Eros). Mais recentemente Michel Foucault, em Folie et Déraison (1961), analisa o conceito de loucura tomando por base o método fenomenológico de “alteridade”; o que seria um trabalho psicológico se torna mais um trabalho sociológico que visa captar a linguagem pela qual os homens são arbitrariamente excluídos da sociedade.
Podemos, ainda, considerar a arte como uma instância da loucura. Platão já incluíra, de alguma maneira, a arte nessa loucura “boa”. Em sua época, todas as artes tendiam a buscar em algum sentido o bom e o belo e, por isso, o harmônico ou racional, e neste sentido se inserem na loucura boa ou divina, porque elevam, curam, tranquilizam, reordenam a alma humana. Mas hoje não podemos mais ser tão coniventes com a arte; as técnicas tomaram a sociedade moderna, hoje tudo é essencialmente técnico, e sendo técnico tudo está dotado de intencionalidade daquele que produz e daquele que utiliza. Vivemos em uma sociedade em permanente construção, controle, manutenção, a própria ordem já não se assenta apenas na natureza, mas depende de um bom uso da técnica. É por isso que hoje devemos discutir a boa e a má loucura dentro da arte moderna.
Todas as artes lidam com o fantástico e são já, nesse sentido e por definição, uma loucura. Não é possível criar algo que não seja em algum sentido artificial, que não se distinga do puramente natural. Toda arte visa montar sobre o natural, transcendê-lo. Mas então surgem dois comportamentos distintos por parte dos artistas e daqueles que empregam as artes: primeiro há aqueles que usam o fantástico para destacar aspectos do mundo natural ou que criam artes que se utilizam do mundo natural, não visando corromper seus princípios básicos, racionais; em segundo lugar há aqueles que usam da arte para distorcer a realidade propositalmente, criar novos princípios contrários à natureza e reificá-los por meio da expressão estética[1]. Vou chamar o primeiro de arte curativa e o segundo de arte degenerativa.
A arte curativa é aquela que, usando de engenharia estética, visa resolver contradições do mundo humano com o mundo natural. Para dar um caso bem paradigmático, falemos da divisão sexual. Há artes que enaltecem tanto os aspectos masculinos no homem e tanto os aspectos femininos na mulher que, com certeza, podem ser consideradas loucuras pela intensidade exagerada de seus aspectos. Muitas das esculturas gregas e romanas seguem esta lógica; na literatura gótica este motivo também está bastante presente, por exemplo no Drácula de Bram Stoker, que exagera por um lado a imagética do poder, da força, do intransponível, qualidades masculinas da personagem vampiresca, e por outro a sensibilidade e fragilidade femininas em suas vítimas. Na literatura religiosa nós costumamos ter o mesmo motivo quando se analisa a relação que Deus tem com sua Criação, uma relação de interferência, autoridade, muitas vezes de ira, controle e castigo; a Criação mantém com o Criador uma relação que se repete entre mulher e homem. O símbolo, nestes casos, ajuda a elucidar, apontar para algo essencial, concreto, com lastro na realidade imanente, e assim educa o leitor, muitas vezes curando-o de medos, traumas e uma incapacidade de compreender “o outro”.
Sobretudo no mundo contemporâneo, a arte curativa é fundamental, de importância máxima. Uma vez que tudo é técnica (tekhnê em grego serve tanto para a engenharia quanto para a “arte” em sentido moderno), são necessárias obras que o tempo todo lembrem o homem daquilo que ele é essencialmente. A técnica do mundo contemporâneo é uma maré de esquecimento, de apagamento da visão das essências, de esquecimento e distanciamento do próprio real; nada tão necessário como as artes que levem ao homem de volta para aquilo que ele é, que o coloquem no seu lugar, na sua função cósmica. O papel do masculino, ainda que por meio da arte, deve permanecer masculino, e o papel feminino, da mesma maneira, deve permanecer feminino. O grande desafio dos artistas contemporâneos é criar técnicas que não corrompam essa relação, mas a atualizem sob novas formas. Isso vai desde a literatura até a legislação e o urbanismo – todas estas esferas são técnicas.
O filósofo alemão G.W.F. Hegel já havia pensado em tudo isso. Para ele as formas e os momentos mudam, mas a consciência permanece em seu processo dinâmico e contínuo. As formas se reatualizam, mas não corrompem o real, o saber absoluto não é um arbítrio do sujeito, mas um saber que diz respeito ao real concreto. Assim, a complexidade com que, por exemplo, homem e mulher se relacionam no mundo moderno será diferente da complexidade com que a mesma relação acontece no mundo grego e depois no mundo romano. Mas o homem e a mulher, em si, não se transformam, não deixam de ser homem e mulher, e dessa maneira não perdem a relação essencial que há entre eles. Se no mundo antigo a mulher era submetida pela força, no mundo moderno será pela lei e pela cultura, que por sua vez são construídas por homens[2]. E nisso está a liberdade no idealismo hegeliano, o fato de que cada consciência tem seu lugar natural garantido por uma lei universal.
É evidente que uma arte curativa exige esforço, antes de tudo um estudo, uma reflexão sobre a realidade e, no caso em questão, sobre o que é o masculino e o que é o feminino. Deve-se buscar na realidade, na observação empírica e na tradição clássica os elementos simbólicos que podemos extrair e utilizar na expressão destes dois polos do homem[3]. Quando há uma personagem masculina, deve-se saber dotá-la de características masculinas[4], e o mesmo serve para as personagens femininas. O artista que cura é um sábio, um alquimista, um terapeuta[5], e não é possível sê-lo sem primeiro conhecer o real com a profundidade necessária para poder representar os objetos que aparecem na arte. Os bons escultores são também conhecedores do corpo e perscrutam cada músculo, cada osso, cada movimento antes de imprimi-los em suas obras – do contrário, o objeto tende a não ser o que visa representar. Notemos que estamos falando de arte em sentido genérico, misturando o realismo e o fantástico: na verdade estamos borrando a barreira entre os dois, porque o vampiro no Drácula, pelo menos enquanto expressão enaltecida de traços reais do homem masculino, não deixa de ser “realista” quanto a este objeto em particular, por mais que suas qualidades ultrapassem as do homem comum do qual ele é imagem[6].
Em geral, a arte curativa costuma se tornar um clássico. Se olharmos para a história veremos que todas as artes que permaneceram, sejam fantásticas ou realistas, foram em algum sentido um dispositivo de rememoração da realidade: os deuses em Homero amplificam relações hipotéticas entre homem e mulher, entre pai e filho, entre comandante e súditos etc., os templos greco-romanos satisfaziam a intuição que o homem grego tinha do belo e do harmônico, as catedrais góticas, ainda que bastante diferentes dos templos gregos, da mesma maneira se punham como obras harmônicas para o espírito europeu, não irritando-o mas inspirando-o e dando vazão às suas potencialidades psíquicas. E sobretudo na literatura religiosa encontramos os símbolos mais bem condensados, mais bem trabalhados, refletidos, aprofundados, ainda que também sejam mais abstratos e que possuam uma linguagem mais “estranha” ao público vulgar. Deus, Criação, Adão e Eva, o Éden, em algum sentido condensam em si os elementos de toda a literatura mítica e fantástica posterior.
Arte Degenerativa
Com base no que já foi dito fica fácil compreender o que é a arte degenerativa. Ela é em algum sentido o oposto: ao invés de fazer o homem rememorar quem ele é, como ele é, qual seu papel no mundo, ela visa ofuscar, afastar essa lembrança. E para tomarmos exemplos desse tipo de arte basta lançarmos os olhos para a enxurrada de livros e de exposições artísticas que se fazem nos museus e nas praças atualmente, ou então basta observarmos a arquitetura lúgubre, fria, mórbida que se espalha como selva de pedra nas grandes cidades. Por via de regra, tudo o que é feio ou que não possui preocupação com o belo já é em si degenerativo, porque a experiência do belo é em si um processo curativo, harmonizador, que leva em conta o ambiente onde se insere e o sujeito que presencia a obra neste mesmo ambiente. Uma obra de arte pode ser abstrata, “estranha”, e ainda ser curativa; para ser degenerativa não é necessário ser abstrato nem “estranho”, pode também ser bem concreto e realista[7].
Sobretudo hoje, um dos melhores exemplos para demonstrar a arte degenerativa é apontar para a maneira como se representam os sexos nas artes. O mais comum é o apagamento da divisão sexual entre masculino e feminino[8], mas também temos a distorção da natureza dos sexos com a sobreposição de características masculinas e femininas nas mesmas personagens e, o que não é menos grave, temos a distorção das relações entre os sexos[9].
Ao invés de elevar, purificar, transcender, tornar sutil, a arte degenerativa rebaixa, faz apodrecer, torna tudo deveras imanente e concreto, duro, denso, impenetrável e do qual é impossível fugir. E assim ela não traz uma experiência de harmonia, de leveza, mas incute a angústia, a ansiedade, a sensação de se estar perdido, isolado, sozinho, dividido e decomposto; ela cinde a psique ao invés de unificar e recompor. Ela provoca o estranhamento, a náusea do existencialismo sartreano. Sartre talvez seja o maior representante intelectual dessa arte degenerativa; sua filosofia é a degeneração cristalizada, o ódio ao homem, ao mundo, o ressentimento de ser o que ele é diante de um mundo que é melhor do que ele. Sartre quis que todos se sentissem imundos e pútridos como ele se sentia ao se olhar no espelho ou se comparar com outras pessoas com belos rostos, por isso quis que todos experimentasse o absurdo que era ser um Sartre. É precisamente daí que vem toda a parafernália intelectual que deu suporte a uma ostensiva produção de arte degenerativa da segunda metade do século XX para cá. O modelo neoliberal viu em Sartre um poderoso instrumento de dissolução de povos, de psiques, de comunidades, de Estados, e não poupou esforços na promoção de tudo o que degenera, enfraquece, apodrece, dissolve com vistas a dominar e imperar pelo dinheiro e pelo poder policial. O absurdismo, que deu suporte intelectual à arte degenerativa, é a ideologia do esquecimento permanente, a luta pela perdição da alma contra tudo o que eleva e cura. Assim, uma maneira de compreender a arte degenerativa é estudando Sartre e sua fenomenologia do absurdo.
Conclusão
Analisamos dois tipos de loucura, isto é, o fantástico na arte. Um nós definimos como arte curativa e o outro como arte degenerativa. Os dois manipulam a realidade, em algum sentido “distorcem” ela; mas enquanto o primeiro tipo o faz sem corromper a realidade, o segundo o faz corrompendo-a. A experiência que o sujeito tem na primeira arte é positiva, a arte o eleva, o unifica, o harmoniza, enquanto que a experiência que ele tem na segunda arte é negativa, a arte o rebaixa, o decompõe, introduz a desordem em sua psique. Se usarmos um conceito grego para defini-las, diríamos que a primeira é racional e a segunda é irracional.
NOTAS
[1] Karl Marx havia analisado esse fenômeno da reificação no processo capitalista: o produto do capital é artificial, ele se torna uma necessidade fabricada, falsa, ilusória, e seduz a sociedade a consumir. É o fetiche (um impulso patológico) que impulsiona o capital.
[2]
Para Hegel, bem como para todos os idealistas e românticos, o masculino estava
essencialmente ligado à esfera pública e à lei, enquanto ao feminino se
reservava a esfera privada e a religião (os Lares). Isso define a sociedade
moderna ideal hegeliana, que não transforma essencialmente o mundo grego, mas o
reatualiza, resgata sob novas formas civilizacionais.
[3]
Aqui deve-se ler “Homem” em sentido genérico, e utilizo o termo por uma questão
de gosto e etimologia. “Ser humano” me parece uma aberração moderna, uma
gambiarra linguística, e por isso busco evitar ao máximo, ainda que talvez pareça
mais claro ao leitor vulgar.
[4]
Infelizmente as autoras raramente conseguem esta proeza. Por exemplo em Frankenstein,
de Mary Shelley, Robert Walton, não fosse o nome, poderia ser uma mulher pois tem
todos os traços psíquicos de uma mulher: sofre com solidão, paranoia, baixa
auto-estima, insegurança, busca o consolo, o conforto, e possui uma compaixão
bastante exagerada.
[5]
Com um propósito mais claro na terapia podemos citar o romance de formação e,
como seu maior exemplar, o Wilhelm Meister de J.W. Goethe.
[6] Também temos que levar em conta que os objetos no Drácula possuem múltiplos significados simultaneamente; o vampiro não é feito para ser a mera representação de um homem; esta personagem induz a muitas interpretações simbólicas, sociais e psicológicas que, contudo, não negam a natureza psíquica de seu fundamento, que é em algum sentido um homem (e na própria história o vampiro foi, uma vez, um homem, sua natureza se deu em cima da matéria masculina, a partir dela).
[7]
As obras de Marcel Duchamp são realistas e ainda sim horríveis, desarmônicas,
toscas, rasas, degenerativas.
[8]
Um exemplo são as pichações de “Os Gêmeos”, que deveriam estar presos por
depredarem o patrimônio público pelo mau-gosto que espalham nas grandes cidades
mundo afora.
[9]
Um caso de se citar aqui talvez seja o assim intitulado Cinquenta Tons de
Cinza; ele não distorce a natureza dos sexos em si, mas as relações entre
eles: ao invés de termos relações de proteção, unidade, cumplicidade, amor e frutificação,
temos relações externas de exploração entre os sexos; esse tipo de literatura
se torna ainda mais perigoso porque seu ardil é muito mais sutil e apela mais
facilmente aos jovens que vivem a explosão dos hormônios. No mais, podemos
citar quase tudo o que se produz hoje nas telenovelas, música pop etc.: é
sempre uma mulher que comanda e homens que obedecem e meramente acompanham; a
relação hierárquica foi totalmente invertida.
sexta-feira, 20 de agosto de 2021
(VARIA) Gênese bíblico
Gustave Doré |
sexta-feira, 18 de junho de 2021
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quarta-feira, 2 de junho de 2021
(VARIA) The Oval Portrait
Ilustração: Jean Paul Laurence |